esfera parada e

Deslizamento
Ventre calmo tranquilo
Quantos diâmetros possíveis
Crianças negras como nó na curva do rio
Entorse de calcanhar

Gotas sobre o tabuleiro
Depois da barreira mancha de óleo derramado
Kama Sutra é um livro de tortura líquida
Pinheiros ao longe ou numa câmara escura
Ao piano estava gênio

Meu futuro devia ser um dia foi me preparar
Para ser pai de um peixe

sec/baveux

A ponta que quase entra no pé
Digo isso por dizer
Romano Romeno Rohmer
Um cão-punk sem coleira
Cobra deitada na beira da estrada do lago

A ligação entre as pessoas como lenços de mágico mágicos umedecidos
Não me pergunte o nome certo da árvore que mais tenho saudades
É babenta dentro
O tronco seco

Olhos que vêm e vão partem em todas as direções
Mulher contraditória contraída de contradições = mulher ausente
Não mas eu quero ainda
Vejo beijo seus pés mas não suas mãos
Um poeta inglês que mal conheço
Entra sem permissão
Sem eu perceber pede demissão

Rua trilhos cheiro de trem
Volta em duas paradas
O que aconteceu
Não vê que não consigo me ver

Pois porque Porto
A volta de novo em bicicleta rápida
Os desvios a saída a grande rotatória
Gaveta giratória
Eisenhower nome desumano mecânico  
Eu me encaixo como um grampeador

Onde estão os cachorros
Expressa espreme exprime quase
Na grama seca calva secam cabelos molhados
Eu fico do lado dos prazeres

Onde mesmo feia a vida revela
A vulgaridade não é a verdade
Obsessão ácida amarga que me suga a alma mas sem ela a vida que desperdício

Adèle Blanc-Sec Cerveja clara seca
tem mais conteúdo é mais importante
Do que a história da historiografia

A transcrição como pontos de sutura que desenham a cicatriz
Sem vê-la ela no entanto
La pointe qui rentre presque dans le pied
Je te dis ça comme ça
Romain Roumain Rohmer
Un punk-à-chien sans collier
Serpent allongé au bord de la route du lac

Les liens entre les gens comme des foulards de magicien magiques
Ne me demande pas le nom correct de l’arbre qui me manque le plus
Il est baveux à l’intérieur
Le tronc sec

Des yeux qui vont et viennent partent dans tous les sens
Femme à contradictions contracté = femme absente
Non mais je veux encore
Je vois ses pieds mais pas ses mains
Un poète anglais que je connais à peine
Entre sans permission
Sans que je m’en aperçoive démissionne

Rue rails odeur de train
Retour en deux arrêts
Que s’est-il passé
Ne vois-tu pas que je ne me vois pas

Puis pourquoi Porto
Le retour en vélo rapide encore
Les détours la sortie le grand rond point
Tiroir giratoire
Eisenhower nom inhumain mécanique
Je m’attache comme une agrafeuse

Les chiens où sont-ils
Expresse exprime presse presque
Sur l’herbe sèche chauve sèchent les cheveux mouillés
Je reste du côté des plaisirs

Où même laide la vie débile dévoile
La vulgarité n’est-ce pas est-ce la vérité
Obsession acide amère qui me gâche l’âme mais sans elle la vie quel gâchis

Adèle Blanc-Sec Bière blanche sèche
a plus de contenu est plus importante
Que l’histoire de l’historiographie

La transcription comme des points de suture qui dessinent la cicatrice
Sans la voir elle pourtant

a gente

Bolhas de pretensão consumem meu ar humano…

Estampas baratas, roupas gelatinosas,

Frases perdidas, outdoors expectorantes.

Vistas assim, de longe, são belas como medusas,

Algumas estão próximas de mim e me vêem.

sarah

Que importa errar, se é só em palavras?… Os olhos de demônio da enfermeira (simpatia erótica).

“Vou compensar tua espera” diz ela. Mas é impossível: aqui tudo é perda de tempo e dinheiro, como tinta de cabelo e absorvente.

“Não estás doente, mas poderias estar”. Aos atenciosos de plantão, nos desnudamos. Basta pedirem.

Nu e saudável, ando pelos corredores. O medo dos outros como num desfile de carnaval.

Vozes tremidas,

Dores talentosas,

Rotinas telefônicas.

wor.l.d making (diário)

Não deveria ser assim (mas é): Bustos heráldicos em uniformes (Lourdes, Cynthias e Fátimas); rostos jovens com 30kg (100g nas orelhas); aleijados atravessando a rua como soldados (com a ajuda das mães), para verem médicos ou advogados (casos perdidos); pássaro de asa quebrada, como pedinte na rua, entre carros, desafiando o mundo-real.

dresde.n.er (diário)

Por dois dias nas ruas de uma ex-cidade: amanhã tudo começará a desfazer-se: semana, mês, ano. Hoje é possível, ainda, estar lá e cá, ordenar o tempo como quem destrói paisagens, escolhendo folhas, mudando-as de lugar. Mas logo virão os cascos policiais, os suores supersticiosos, anunciando o velho mar (abstrato) e o peso vivo das ondas.

neukölln (diário)

Nessa cidade o presente é invisível. Saber que já foi duas e hoje é uma só… É como andar sobre chão cicatrizado, sentindo ainda a dor, ou a lembrança da dor concentrada. Diferente da época em que, dos terraços vizinhos ao muro, as pessoas saltavam sabendo que podiam morrer (li isso numa placa). Tinham, ou imaginavam ter do outro lado alguém para cuidar delas; depois. Ficar inteiro sozinho, de que adianta? Estou oscilando com tanta força, aqui, entre alegria e tristeza, que é difícil pensar que a cidade não tem parte nisso. Me dói a distância do meu país, me doem os olhos na tela do telefone, e uma coisa se mistura com a outra… Vocês (meus amores,) são meus telhados onde vivo me jogando. Preciso descobrir o que é esse muro e se preciso usar óculos.

macumba (i)

Quando a verdade é
Mentira bem contada ou
Raiva mal escolhida,

Vem a idéia do acaso, me salvar
Dos cascos marciais; crânios
Traumáticos, marcianos, semíticos, de
Mulas sem cabeça.

Riscos na lama, curvas livres,
Turvam meus sentidos num falso mar de estridência.

eichendorff (à malakoff)

Platô da normalidade (minha janela de manhã).

Pinheiros balançando como cachorros molhados,
Calhas vomitando em batentes, línguas de minuto,
Postes que se apagam em luzes frias,
Mal obedecendo, como crianças autistas.

Um pássaro azul chega se partindo —
Mancha laminada em laranja formigando.

Gestos emplumados, máscaras rituais,
Adolescentes se provocando (sabem que não posso descer?)

mendigo (ii)

Não sou daqui, a mim é permitido
Deixar meus rastros pelo caminho,
Me impregnar do velho sol e
Ao acordar, escolher o sonho.

Vivo entre jornais, recortado, por isso
É meu direito, querer mais dos que passam.

Virado na calçada,
Não sou daqui,
Escolho o sonho.